terça-feira, 30 de setembro de 2014

Educar por Inteiro - Cap. 7: A Disciplina que Dá Certo


Capítulo 7

A Disciplina que Dá Certo

Além das considerações apresentadas no capítulo anterior, fique atento para os seguintes princípios e procedimentos com relação à disciplina1:
Pedidos ao invés de ordens
Text Box: “Aqui jaz a grande arte: discernir o que exige limites e castigo e em que coisas apenas a persuasão funciona.”
John Milton2
Antes de recorrer às ordens ou comandos, faça solicitações. Quanto mais conseguir a cooperação dos filhos pela solicitação, tanto melhor. Troque o grito: “Desligue já esta TV para a gente sair!”, por: “Filho, por favor prepare-se para a gente sair”.
Pedir ou solicitar algum comportamento dos filhos não é sinal de falta de firmeza, mas sim uma forma cortês e educada de conseguir o comportamento adequado. É um modo eficaz de dar instruções e disciplinar.
Outra forma de fazer solicitações eficazes é conversar com a criança com o pressuposto – ou, ainda melhor, a certeza – de que ela irá atender. Em vez de dizer: “Filha, ande logo! Vá mudar de roupa para a gente sair!”, prefira: “Filha, que roupa você vai vestir agora para a gente sair?”.
O bom comportamento deve ser prioritariamente encorajado e solicitado, não comandado. Reserve os comandos e ordens para as emergências e para as regras gerais da Constituição do Lar.
A disciplina infantil é aprendida e depende da maneira como os pais transmitem seu amor e suas regras de comportamento. Estabeleça regras imutáveis apenas para aquelas coisas realmente essenciais e seja firme nelas.
Educar ao invés de ditar regras
Procure explicar, de acordo com a capacidade de compreensão da criança (que geralmente é maior do que os pais acreditam!) as razões pela qual um comportamento está sendo solicitado ou proibido. Eduque em vez de emitir ordens: “Querido, o gato não está gostando do jeito como você o está segurando. Ele pode ficar muito bravo e morder ou arranhar você. Quero que você pare com isso agora mesmo!”, ao invés de: “Solte esse gato agora mesmo!”.
Os estudos demonstram que a criança desenvolve a empatia através das orientações recebidas dos pais, em particular quando elas fizeram algo que causou algum dano ou sofrimento a outra pessoa. Assim, os pais deveriam sempre chamar a atenção dos filhos para os efeitos de seu mau comportamento, enquanto os orientam a mudá-lo no futuro. Por exemplo, se seu filho bateu no amiguinho, em vez de simplesmente dizer: “Pare já com isso!” (ordem pura), ou: “Que menino feio! Não quero que bata mais no seu amiguinho!” (ofensa e comando), prefira: “Está vendo como seu amiguinho está chorando? É porque você o machucou. A gente não deve machucar ninguém. Isso não combina com você. Quero que você peça desculpas e o abrace para brincarem direitinho de novo.”
Ordens positivas
Às vezes, não basta fazer solicitações. Quando fazemos um pedido à criança e ela não o atende, então uma ordem ou instrução direta pode se fazer necessária. Nesses casos, prefira expressar a ordem de maneira positiva: “Filho, fique na sombra!”, em vez de “Filho, não fique no sol!”. Ou: “Filho, fique quietinho agora!”, em vez de: “Filho, pare de se mexer!”. Mas lembre-se que ordens excessivas somente causam irritação e hostilidade.
“Fazer fazer” ao invés de falar para fazer
Fazer fazer não é um erro de redação! Significa que, ao invés de simplesmente falar para uma criança fazer ou não fazer algo, devemos agir, fazer algo que a leve a adotar outro comportamento. Ou seja, fazer com que ela faça (ou não faça) algo. Demonstre à criança que você realmente quer que ela obedeça ao que você está dizendo. A melhor forma de conseguir isso é ajudá-la, com gentileza e firmeza, a obedecer a sua solicitação ou ordem. Não adianta dizer inúmeras vezes: “Pare de pular em cima do sofá!”, até o ponto de perder a paciência, gritar ou, pior, agredir a criança. Se você realmente não quer que ela pule no sofá, chegue até ela, tome seu braço com firmeza, mas não com violência, dizendo com tranqüilidade e seriedade algo assim: “Sei que é gostoso fazer isso, mas estraga o sofá e você pode cair e se machucar, por isso quero que você desça agora e pare de pular!”, enquanto ajuda a criança a descer do sofá. O importante é que, depois da primeira solicitação ou ordem não atendida o pai ou a mãe façam, através de um ato, a criança mudar de comportamento.
Seja claro
Quando for necessário estabelecer um limite ou dar uma ordem, seja claro na sua determinação. “Filho, quero que você se concentre no estudo agora! Só pode brincar um pouquinho!”, não é uma mensagem clara. Melhor seria: “Filho, agora você precisa concentrar-se nos estudos. Nada de brincadeiras. Só depois de acabar a lição!”.
Seja coerente
Fique certo de uma coisa: as crianças aprendem muito mais pelo exemplo que vêem do que por aquilo que lhes é dito. Por isso, procure sempre ser o exemplo daquilo que você está ensinando. Se você gritar com seu filho: “Pare de gritar!”, não estará ensinando nada. Falar mal da bebida ou do cigarro enquanto aprecia os dois; dar tapas na criança para impedi-la de bater em outra criança; ora dizer: “você tem 16 anos” e ora: “você tem 16 anos”, são formas de incoerência gritante, que só geram confusão.
Da mesma forma, se quiser que suas crianças aprendam a solicitar atenção de maneira agradável procure atender prontamente quando elas o fazem da maneira correta (“Mamãe, por favor, brinque um pouco comigo!”). Se você recusar atenção nestes momentos, para depois oferecê-la quando a criança faz manha (“Tá bem, tá bem! Pare de chorar que eu brinco um pouco!”), estará ensinando o contrário do que queria.
Quando os pais tentam colocar em prática coisas que leram nos livros mas não aceitaram verdadeiramente de coração nem se sentem confortáveis com elas, as crianças sentem a incoerência e ficam confusas. Coloque em prática aquilo do qual esteja plenamente convencido – mesmo que seja difícil no início – e não o que você só tem na cabeça, mas não no coração – mesmo que seja fácil.
Seja constante
O exercício de elaborar a Constituição do Lar ajuda os pais a serem mais constantes na aplicação de limites. O importante é perceber que as regras de disciplina não podem variar de momento a momento, conforme o bom ou mau humor dos pais, nem ser sujeitas a manobras por parte das crianças (como abraços, sorrisos ou, pior ainda, choro e ataques histéricos). Se um dia você grita com seu filho quando ele começa a brincar com as panelas na cozinha e no outro dia, na presença de uma visita (quando muitos pais ficam envergonhados de usar de firmeza com seus filhos), você acha engraçado e ri, ele nunca aprenderá a controlar seu comportamento.
Text Box: “Uma disciplina errática ou inconsistente pode ser tão prejudicial quanto a ausência ou o excesso de disciplina. (...) a inconstância parental tende a contribuir para os desajustamentos, conflitos ou agressões da criança.”
Mussen et al.3
É importantíssimo que o pai e a mãe ou seus substitutos estejam de acordo com relação às regras gerais de comportamento, utilizando o mesmo estilo disciplinar. Nenhum deles deve assumir sozinho ou entregar a responsabilidade da disciplina ao outro cônjuge, bem como não devem discutir na frente da criança as regras disciplinares. As pessoas envolvidas na educação da criança, como parentes, empregados e professores deveriam estar basicamente informados das normas disciplinares que os pais adotaram e deveriam ser encorajados a colocá-las em prática, especialmente no que diz respeito a horários e rotinas.
Esteja seguro
Text Box: “Algum tipo de disciplina, seja física, moral ou intelectual é, na verdade, indispensável e nenhuma educação pode ser tida como completa e frutífera se desconsiderar este elemento”.
Shoghi Effendi Rabbani4
É fundamental o tom de firmeza ao fixar um limite ou dar uma ordem. Quando os pais começam a fazer rodeios, ficam intimidados ou inseguros, apresentam mil justificativas – como que se desculpando pela instrução – então a disciplina perde a força e não é levada a sério. Busque colocar em prática as normas disciplinares que estejam realmente em conformidade com seu sistema de valores. Se você tentar disciplinar seus filhos em coisas nas quais não crê de verdade, será inseguro sempre.
Lembre-se também que, apesar das frustrações que a disciplina geralmente causa nas crianças e do desagrado (e mesmo raiva) que elas podem expressar, a disciplina lhes é fundamental para que cresçam saudáveis e felizes: no fundo, elas são gratas e se sentem seguras com esses limites. Esteja certo de que jamais perderá o amor de seus filhos ao ser firme e ao exigir deles a disciplina e o respeito aos limites, quando isso for feito com justiça e sem violência. Apesar do desagrado e da raiva momentâneos, os filhos dificilmente abandonam o amor pelos pais. Isso somente ocorre quando existe violência e agressão (física e verbal) constantes. Muitos pais, por temerem o desamor dos filhos, acabam sendo fracos e inseguros na hora de disciplinar e, depois, quando sentem que perderam o controle de seus filhos, agem com violência, agressão, desespero, ironia e descaso. Isso sim é o que gera o desamor, não a firmeza na medida certa.
Coloque no coração a certeza de que: “Um dia meu filho vai me agradecer por isso!”,ou: “Estou fazendo isso para o seu bem!. Quando essa segurança é transmitida para a criança (mas, por favor, não fale isso a toda hora!), isso lhe traz serenidade e ensina a consistência da educação.
Esteja sempre certo de que suas exigências disciplinares foram dadas em função da boa educação da criança e não em benefício de você mesmo (como mandar calar a toda a hora ou impedir brincadeiras apenas para ficar sossegado; querer controlar a criança apenas para compensar frustrações no trabalho ou no amor). Estando certo disso, fique pronto para sustentar suas instruções, não deixando a criança se esquivar através de artifícios como o “esquecimento”, a recusa ou o desafio. Não desista da ordem a menos que a criança apresente uma razão muito lógica para isso. Jamais desista da boa disciplina apenas porque a criança começa a chorar, gritar ou a dizer que não gosta mais de você.
Enfoque o mau comportamento, não a criança
Quando a criança se comporta mal, esteja seguro de recriminar o mau comportamento, não ela própria. Caso contrário, a auto-estima da criança pode ficar profundamente abalada, dando origem tanto a sentimentos de culpa e inadequação exagerados quanto a atitudes desafiadoras e rebeldes. Evite dizer: “Que menino feio! Pare de arrancar as flores do jardim!”, “Você é um cavalo mesmo! Pare de bater na sua irmã! Mal-educado!”, “Você é muito feio! Pare de pisar nos bichinhos!”. Prefira: “Pare de arrancar as flores do jardim! Esse comportamento não combina com você!”, ou: “Arrancar as flores faz o jardim ficar feio. Quero que você pare agora mesmo!”; “Pare de bater na sua irmã! Sei que você está com raiva dela, mas bater é proibido!”; “Pisar nos bichinhos é feio. Isso não combina com você!”.
Ofereça alternativas
Em vez de simplesmente fazer uma proibição, ofereça alternativas de comportamento, para a criança poder decidir e assim sentir-se partícipe da ação: “Se você quiser brincar aqui, não pode ser com o tamborzinho, pois está me incomodando. O que você prefere: brincar com o tambor lá fora, ou com algo que não faça barulho aqui perto da mamãe?”. “Se vocês continuarem brigando por causa deste jogo eu vou guardá-lo. Vocês escolhem: querem continuar brincando com ele sem briga ou brincar de outra coisa?”. “Se você for para a cama agora, posso contar uma história. Mas se preferir ver mais um pouco de TV, fica sem história hoje. O que você escolhe?”.
Só cuide para não oferecer mais do que duas alternativas, pois isso pode confundir a criança.
Misture elogios com repreensões, boas notícias com “más” notícias
Crianças pequenas ficam muito abaladas depois de uma repreensão ou um castigo, pois não têm segurança de que o pai e a mãe ainda terão amor por elas depois da crise de relacionamento. Elas precisam de uma garantia do amor dos pais (ou outro adulto) e isso pode ser assegurado se tivermos o cuidado de nunca confundir a criança com seu mau ato e se observarmos as seguintes cautelas:
· Não exagere com relação às conseqüências de um mau ato. Não diga: “Vou levar o dia todo para arrumar tudo isso de novo!”, quando em quinze minutos a arrumação estará pronta nem reclame que “Vai custar uma fortuna para repor o que você quebrou!”, quando o que foi quebrado são cinco pratinhos da loja de 1,99.
· Invoque o lado bom da criança sempre que ela se comporta mal, a fim de garantir a mudança de comportamento (“Você é um menino obediente e sei que não vai mais mexer onde a mamãe disse para não mexer!”) ou para assegurá-la de que você sabe ver e valorizar o que ela faz de bom também (“Gostei demais da maneira como você se comportou no almoço, mas não quero que você fique se enrolando nas cortinas, pois elas podem estragar!”).
· Mencione algo agradável que a criança possa desejar: “Quero que junte esses papéis agora e então você pode ir ver TV!”, em vez de simplesmente: “Quero que junte esses papéis agora!”.
Peça desculpas sempre que fizer algo errado
Uma maneira poderosa de dar o bom exemplo para seus filhos é pedir desculpas quando você estiver equivocado na aplicação de uma medida disciplinar. Equívocos comuns são: dar um castigo severo demais, acusar a criança injustamente ou não lhe dar oportunidade de se explicar ou de se corrigir. O pedido de desculpas deve ser imediato, breve, simples e não acompanhado de nenhuma compensação para aliviar sua culpa, como um mimo ou um agrado: “Filho, desculpe eu ter gritado com você. Eu estava muito nervosa e o que você fez foi a gota d’água. Sinto muito mesmo. Você me desculpa?
Busque auxílio quando as coisas fugirem ao seu controle
Se vocês perceberem que seu relacionamento com a criança está ficando cada vez mais agressivo e que suas tentativas de controlar a situação não estão surtindo efeito, não fiquem relutantes em procurar a ajuda de um profissional, como um psicólogo, psicopedagogo ou assistente social. Porém evitem levar a criança para o terapeuta como se ela fosse o problema. É muito mais provável que sejam vocês, como pais, quem mais necessitam de orientação e ajuda. A criança poderá ser conduzida mais tarde, mas a mudança de comportamento dos pais geralmente é suficiente para alterar o mau comportamento das crianças. Por outro lado, se a criança é tratada, mas não os pais, os problemas não são resolvidos e a criança ainda se sente a única culpada pelos problemas de relacionamento, o que NUNCA é verdade.
Não tenham vergonha de buscar ajuda. Educar um filho é talvez a mais complexa e desafiadora tarefa para qualquer ser humano e nenhum de nós nasce sabendo como fazê-lo nem as crianças nascem com manual de instruções! Tenham compaixão de si mesmos e dos filhos e transformem o relacionamento do dia-a-dia numa grande lição mútua de crescimento, aceitação e amor.
Exercícios:
1.     Responda novamente os itens abaixo, que foram apresentados no início do capítulo anterior. Então compare suas respostas com as que havia dado antes.
(     ) Pai e mãe precisam estar de acordo quanto às regras e normas disciplinares do lar.
(     ) Se você ficar bonzinho, contarei uma história na hora de dormir.
(     ) Não brinque aqui. Estou assistindo TV e você está me incomodando. Cai fora, menino, e vá brincar  lá fora.
(     ) Antes de entrar numa loja combine o que você pode gastar com a criança
(     ) Dê o bom exemplo. As crianças aprendem o que vêem.
(     ) O castigo exagerado cria crianças amedrontadas quando pequenas, mas desafiadoras e agressivas à medida que crescem.
(     ) Evite mais de duas ordens ao mesmo tempo.
(     ) Dê as suas ordens como se fosse uma solicitação de favor
2.     Transforme as seguintes frases de ordens para solicitações:
a) “Menino, desligue já a televisão e venha almoçar!”
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b) “Filha, largue já este vaso!”
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c) “Filho, venha aqui agora!”
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3.     Transforme as seguintes ordens em explicações educativas:
a) (Aos berros) “Pedro, não quero mais te ver pendurado na sacada deste jeito, menino chato!”
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b) (Aos berros) “Filha! Saia já daí! Não quero ver você perto do fogão!”
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c) (Aos berros) “Maria! Pare agora mesmo de jogar esta bola na sala!”
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4.     Releia com o grupo de estudo o ponto acima sobre “Fazer Fazer”. Então, identifiquem situações repetidas em que vocês se vêem falando com os filhos sem conseguir sua pronta obediência. Descrevam, em seguida, como vocês poderiam fazer os filhos fazerem o que lhes é solicitado, em vez de simplesmente falarem para eles fazerem.
De que modo podemos enfocar o mau comportamento em vez de criticar ou ofender a criança? Dê exemplos. _________________________________________________________________________________
5.     Relacione quais regras você estabeleceu em sua casa como:
Imutáveis : _________________________________________________________________________
Flexíveis : __________________________________________________________________________
Proibidas : _________________________________________________________________________
6.     Façam o uso da mímica para representar situações de disciplina (Obs: atividade em dupla ou trio).


Notas e Bibliografia
1.     Várias das sugestões seguintes foram adaptadas das orientações sobre disciplina oferecidas pelo Philadelphia Child Guidance Center (PCGC), no estado da Pennsylvania, nos EUA.
2.     Milton, John. Areopagitica (1644). Appud. The Oxford Dictionary of Quotations. P.519
3.     Mussen, Paul Henri; Conger, John Janeway; Kagan, Jerome. Desenvolvimento e Personalidade da Criança. Tradução de Maria Sílvia Mourão Netto. São Paulo, Harper & Row, 1977. p. 356-7
4.     Rabbani, Shoghi Effendi. In Educação Bahá’í: Uma Compilação. Rio de Janeiro, Bahá’í, 1981. p. 90

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