Capítulo 2
A Magia do Olhar Carinhoso
A
Comunicação do Amor entre Pais e Filhos
Antes de tudo,
é fundamental entender que uma criança, além de se alimentar de comida, alimenta-se
de amor. As manifestações de ternura, afeto, carinho e bondade da parte dos
pais e demais pessoas ao seu redor alimentam a alma da criança e a fazem
desenvolver-se adequadamente. Assim como uma criança (e, na verdade, qualquer
pessoa) fica agitada, inquieta e nervosa quando está com fome de alimentos, da
mesma forma estes sintomas se manifestam quando ela está com fome de amor.
É como se ela tivesse um estômago e um sistema digestivo emocional.
Quando emocionalmente supridas, as crianças são agradáveis e comportadas. O estômago
emocional precisa estar cheio!
A maior necessidade de uma criança é amor,
pois ele representa tudo o mais: alimento, proteção, amparo, carinho,
orientação, etc. Sentindo essa necessidade desde o nascimento, a criança busca
o tempo todo se certificar de que é amada. Por isso, grande parte de seu
comportamento, especialmente na interação com os pais e outros adultos, pode
ser interpretada como uma constante pergunta: “Você me ama?”. E essa
pergunta é feita através de seu comportamento, não de palavras. O mau
comportamento, seja intencional ou não, é uma pergunta: “Você me ama?
Você ainda me ama? E a forma como ela entende a resposta é através do comportamento
dos pais1.
As necessidades ligadas aos alimentos físicos
são poderosas e se manifestam de muitas maneiras impressionantes. Quando
privadas de alimentos adequados para fornecer os nutrientes que o corpo exige
para seu bom funcionamento, as crianças buscarão inconscientemente suprir essa
carência através da ingestão de outros elementos, inclusive terra e ferrugem.
Da mesma
forma, crianças que não têm suas necessidades emocionais atendidas de maneira
natural, ou seja, através de demonstrações constantes, regulares e consistentes
de amor, buscam amor perverso.
Como geralmente o mau comportamento atrai eficazmente a atenção dos
pais, elas utilizam este recurso como uma demonstração de desespero. E ganham sua
cota de amor perverso através da
atenção que recebem de forma negativa quando se comportam mal.
Excetuando-se
casos patológicos, todos os pais sentem uma extraordinária dimensão de amor
para com seus filhos. O problema é que o amor não é apenas um sentimento, mas uma
força que produz ações e transformações quando é adequadamente
comunicada. Se a comunicação do amor não se dá de forma adequada, todo o
amor do mundo não basta.
A comunicação
do amor é tão importante quanto o sentimento do amor. Sem a comunicação
eficaz, o amor não é sentido e não produz efeito. A comunicação do amor,
como toda comunicação, possui quatro elementos básicos: 1) o emissor; 2) a
mensagem; 3) o código (forma como a mensagem é transmitida); e 4) o receptor.
Embora a absoluta maioria dos pais ame seus filhos, a porcentagem de filhos que
se sente amada por seus pais é bem menor. Por quê? Porque embora não haja nada
de errado com os emissores da mensagem (os pais) nem com os receptores (os filhos)
nem com a mensagem em si (o amor), o problema é que estão usando códigos
diferentes. É como se uns estivessem falando em chinês e os outros somente
entendessem português!
As crianças
entendem e respondem às emoções, aos gestos, expressões faciais e comportamento
dos pais muito antes de serem capazes de compreender suas palavras. Enquanto os
adultos se apóiam muito na comunicação verbal, o código de comunicação das
crianças é não-verbal. O comportamento diz mais sobre o amor do que
as palavras, especialmente para as crianças.
Todas as
emoções e sentimentos dos pais passam para as crianças através de uma
infinidade de detalhes e sutilezas não-verbais, como o tom de voz, a tensão
muscular, o olhar, os gestos, as ações. Apesar desse universo complexo de manifestações
de sentimentos, podemos simplificar as coisas dizendo que, basicamente, as
necessidades emocionais das crianças são satisfeitas por quatro
comportamentos básicos: o olhar carinhoso, o toque amoroso, a atenção
concentrada e a disciplina amorosa. Trataremos de cada um deles neste e nos
próximos capítulos.
Exercícios:
1. O que é o amor? O que representa o amor para
as crianças?
______________________________________________________________________________
2.
Qual o código usado na comunicação do amor pelas
crianças e pelo adulto?
__________________________________________________________________________________
3.
Qual a pergunta oculta no mau comportamento da criança?
__________________________________________________________________________________
4.
Cite exemplos de manifestação da busca do amor
perverso:
__________________________________________________________________________________
5. Por que muitas crianças não se
sentem amadas pelos pais mesmo sendo este o sentimento demonstrado por eles?
____________________________________________________________
O
Olhar Carinhoso:
Os olhos não
servem apenas para ver, mas também para alimentar. A alma da criança (e de
qualquer ser humano!) é alimentada pelo olhar carinhoso dos demais.
A criança
desenvolve seu senso de identidade quando é olhada com carinho nos olhos. Nós
todos, como seres humanos, somos extremamente sensíveis ao olhar de outras
pessoas. Se estivermos num grupo de pessoas que conversam entre si, e ninguém
nos olhar nos olhos de vez em quando, sentimo-nos excluídos, ainda que
escutemos suas palavras e elas as nossas. Logo sairemos deste grupo,
sentindo-nos rejeitados. Da mesma forma, causa-nos mal-estar quando alguém
conversa conosco sem trocar contato visual regular. Dificilmente conseguimos manter
a conversa por muito tempo.
Pesquisas
demonstraram que quando alguém entra numa sala cheia de pessoas, o que mais
chamará sua atenção, entre todas as inúmeras coisas lá existentes, são os olhos
de alguém que a mira fixamente. O olhar é algo tão poderoso que somos capazes
de sentir quando alguém está nos olhando fixamente (“secando”), mesmo
que estejamos de costas!
As crianças
demonstram, desde muito pequenas, um fascínio inequívoco pelo olhar da mãe e do
pai e o rosto humano é o que elas mais gostam de olhar, entre várias outras
imagens que lhes sejam mostradas. Quanto menor sua idade, mais tempo elas mantêm
o olhar, a ponto de podermos praticamente entrar dentro de seus olhos.
Desde o nascimento elas parecem atraídas pelas faces ao seu redor. Por volta das
seis ou oito semanas de vida elas procuram
ativamente um par de olhos para olhar!
Não é de
estranhar que seja assim, pois um rosto humano sorridente representa o amor e a
atenção que a criança precisa para sobreviver e se desenvolver adequadamente. Por
detrás dele está a alimentação, os cuidados físicos, a proteção, a nutrição
emocional e o encaminhamento na vida dos quais ela tanto necessita.
O mais
importante é que quando olhamos nos olhos de nossos filhos com carinho não
apenas estamos estabelecendo com eles uma comunicação adequada, mas os estamos alimentando de amor. O olhar carinhoso
é um dos quatro poderosos pilares da comunicação do amor entre pais e filhos, e
deveria ser abundante, regular e
prazeroso.
Crianças que
não são olhadas com carinho regularmente não aprendem o valor e o sabor do
olhar. Geralmente tornam-se esquivas, desconfiadas e desagradáveis. Terão
dificuldades de comunicação com outras crianças e com os adultos ao seu redor. Vários
estudos demonstraram que as crianças mais populares são aquelas que conseguem
manter contato visual agradável com as pessoas. Tais crianças tendem a receber
o melhor quinhão da atenção de adultos como médicos, professores, enfermeiras,
etc. No seio da família tais crianças são as mais acarinhadas e prezadas.
Imagine, pois, a desvantagem de uma criança que não aprende a olhar com
carinho!
O olhar é fundamental para o bom
desenvolvimento da criança não apenas emocionalmente, mas também fisicamente.
Estudos médicos indicam que quando crianças pequenas, entre seis e doze meses
de idade, são por algum motivo rejeitadas por seus pais, tendem a deixar de
comer e crescer, tornando-se letárgicas e desatentas, podendo vir a morrer sem
razões aparentes. Estes sentimentos de rejeição dos pais muitas vezes é
inconsciente. Eles cuidam de tudo: higiene, alimentação medicação..., mas não
são capazes de manter contato visual com os olhos sedentos de seus filhos.
Portanto, crianças privadas do olhar amoroso, especialmente da mãe e do pai,
têm um desenvolvimento prejudicado em vários sentidos.
Assim, é
vital que você, para transmitir o amor que sente por seu filho, olhe nos seus olhos, com carinho, com
regularidade, incondicionalmente. Olhe-o sempre nos olhos quando ele
estiver relatando algo ou quando estiverem conversando, rindo, brincando,
jogando, almoçando, etc. Assistindo TV, olhe nos seus olhos regularmente ao
tecer algum comentário sobre o programa, ou quando estiverem rindo de algo
engraçado que viram, ao invés de ficar encarando a TV. Ela não precisa do seu
olhar. Ele sim!
Não deixe
para olhar nos olhos do filho apenas quando ele se comporta de uma maneira que
lhe é agradável (amor condicional). Acima de tudo, evite olhar nos seus olhos somente
para transmitir mensagens negativas. Muitos pais, conscientes do poder do olhar,
usam-no abundantemente nos momentos de dar carão (“Olhe pra mim quando eu falo com você! Que feio o que você fez!”).
Tal atitude é desastrosa, pois condiciona a criança aos aspectos negativos do
olhar. Como ela não consegue viver sem os olhos dos pais, e como aprende, desta
forma, que quando se comporta mal eles seguramente olharão para ela, então usa o
mau comportamento para conseguir o olhar deles de maneira inadequada, perversa.
É semelhante ao que ocorre quando a criança come terra para suprir sua
necessidade de ferro e outros minerais faltantes na alimentação. Ela está
buscando, de maneira desesperada, aquilo que lhe é tão necessário.
Pior ainda é
negar totalmente olhar nos olhos da criança, o que geralmente ocorre quando os
pais estão aborrecidos com ela. Negar o
olhar é imensamente destrutivo para a criança. Produz tremendo terror,
desamparo, medo, insegurança e infelicidade. Muitas vezes elas chegam a
implorar, com suas mãozinhas, o olhar da mãe e do pai, segurando seu rosto e
tentando virá-lo na sua direção. Por isso, devemos fazer o possível para evitar
totalmente este tipo de comportamento, que, infelizmente, é muito comum.
Quanto menor
a criança, tanto mais ela necessita do amor dos olhos nos olhos. O tempo do
olhar carinhoso deve ser adequado à evolução da criança, mas será sempre necessário. Meninos têm a
tendência de ser mais defensivos à troca de olhares do que as meninas.
Existem
crianças que são por natureza mais resistentes às demonstrações de carinho,
como o olhar, o toque e a atenção concentrada. Porém, os pais não devem
desistir de alimentá-las com seus olhares amorosos. Precisam cuidar para não se
sentir rejeitados como pais, pois isso dificultaria muito suas demonstrações
espontâneas de afeto. Pesquisas mostram que
as demonstrações de rejeição por parte dos filhos são geralmente apenas aparentes. Não representam realmente rejeição, mas apenas indicações de desconforto com a forma de
afeto que estão recebendo, ou testes para
ver até que ponto o afeto é verdadeiro4.
Quando a
criança vai atingindo a puberdade, por volta dos dez ou onze anos de idade,
também começa a ser mais defensiva ao olhar. Mas isso não significa que os pais
deveriam desistir de olhá-las nos olhos. O que precisa ser feito é adaptar o
olhar amoroso para aqueles momentos em que a criança está mais receptiva a
receber carinho, o que geralmente ocorre em cinco circunstâncias especiais:
1.
quando ela está muito alegre e acha alguma coisa
engraçada.
2.
quando está muito orgulhosa de uma vitória ou conquista.
3.
quando está muito triste ou abatida fisicamente.
4.
quando está sofrendo emocionalmente.
5. em
momentos rotineiros que acostumou a associar a sensações prazerosas (pode ser
durante um passeio, ou na hora de ir dormir, ou ao acordar, ou na hora das
refeições).
As crianças
naturalmente mais defensivas ao olhar (e ao toque) também ficam mais acessíveis
nestes momentos.
Portanto, os
pais precisam sempre lembrar que é sua missão dar amor incondicional aos
filhos, não esperando retorno. Claro que isso pode ser muito difícil e
frustrante, mas é um requisito da boa paternidade.
A mais
importante regra com relação ao olhar amoroso é que ele deve ser sempre confortável, gostoso. Isso significa, basicamente,
que deve "entrar" e "sair" no tempo certo. O que é o tempo
certo? Cada pai deve descobrir isso através da empatia com cada um de seus
filhos. Tudo depende da criança, do momento e do pai. Mas a regra geral é o conforto do olhar. Nós sentimos claramente quando
um olhar está sendo demorado demais, o que, geralmente, demonstra falsidade de
sentimentos, ou rigidez. Por isso, cuidado para não sair por aí com os olhos
arregalados querendo hipnotizar com amor os
seus filhos! Assim você só vai assustá-los!
O olhar
amoroso deve ser um reflexo natural de nossos sentimentos de afeto e amor por
nossos filhos. Ele não deve ser falseado, ou forçado, ou artificial. Toda
criança sabe distinguir um olhar genuíno de um falso. A única maneira de
olharmos nos olhos de nossos filhos com carinho é sentido genuinamente carinho
por eles. Devemos ficar atentos para oferecer nosso amor o mais possível através
do olhar confortável e terno.
Outra ocasião
importante para a troca de olhares amorosos são os momentos de reencontro, como
a volta das crianças da escola para casa, ou a chegada dos pais do trabalho. Momentos
de reencontro são sagrados. São instantes breves, que devemos aproveitar para
a troca carinhosa de olhares, afagos e para prestar atenção nas pessoas que
amamos. Cada um deles é uma bênção a ser comemorada através de demonstrações de
amor e carinho. Os dez primeiros segundos do reencontro são sagrados. Dez
segundos apenas! Porém, fazem uma diferença imensa no coração e na vida! São
breves momentos onde devem predominar o olhar amoroso, o abraço afetuoso e as
afirmações de amor, saudades e alegria pelo reencontro.
Exercícios:
1.
Que tipo de olhar deve ser evitado com relação aos
nossos filhos?
__________________________________________________________________________________
2.
Como e quando devemos olhar nos olhos de nossos filhos?
__________________________________________________________________________________
3.
Dê exemplo de uma situação em que houve um olhar de aprovação e outro com um olhar de desaprovação.
__________________________________________________________________________________
4.
Quais os cinco momentos em que crianças defensivas ou
púberes resistentes são mais abertos a expressões de carinho?
__________________________________________________________________________________
5.
Por que os primeiros dez segundos do reencontro são
sagrados? O que deveria ocorrer nestes breves instantes?
__________________________________________________________________________________
6. O que é amor incondicional. Qual
a diferença entre amor condicional e incondicional ? O que poderá gerar cada um
deles?
________________________________________________________________________________
7. Marque com um
X o que você considera como resposta(s) verdadeira(s):
a) Os pais de crianças mais
resistentes às demonstrações de carinho com o olhar, devem:
□ olhá-las
com desprezo □ negar-lhes
o olhar □ forçar o olhar a todo
custo
□ insistir
com o olhar amoroso □ adaptar o olhar □
desistir do olhar
b) O que a
maioria das demonstrações de rejeição da parte dos filhos pelos pais representa?
□ realmente
rejeição □ indicações
de desconforto com a forma como o afeto é demonstrado □ amor
condicional □ testes para ver até que ponto o
afeto é verdadeiro
8. Relacione algumas das vantagens
para as crianças mais populares e algumas privações das crianças rejeitadas
pelos pais:
____________________________________________________________________________
Notas
e Bibliografia:
1. Uma abordagem detalhada sobre a comunicação
não-verbal entre crianças e adultos pode ser encontrada em: Campbell, Ross. Filhos Felizes. Tradução de
Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão, 1991.
2. Pikunas,
Justin. Desenvolvimento Humano. Tradução de Auriphebo Berrance Simões. São
Paulo: McGraw-Hill, 1979. p. 175
3. Campbell,
Ross. Filhos Felizes. Tradução Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão,
1991. p. 34-5
4.
Greenspan, Stanley. Filhos Emocionalmente Saudáveis, Íntegros, Felizes,
Inteligentes. Tradução de Sérgio Teixeira. Rio de Janeiro, Campus, 2000.
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