terça-feira, 30 de setembro de 2014

Educar por Inteiro - Cap. 2: A Magia do Olhar Carinhoso


Capítulo 2
A Magia do Olhar Carinhoso
A Comunicação do Amor entre Pais e Filhos
Antes de tudo, é fundamental entender que uma criança, além de se alimentar de comida, alimenta-se de amor. As manifestações de ternura, afeto, carinho e bondade da parte dos pais e demais pessoas ao seu redor alimentam a alma da criança e a fazem desenvolver-se adequadamente. Assim como uma criança (e, na verdade, qualquer pessoa) fica agitada, inquieta e nervosa quando está com fome de alimentos, da mesma forma estes sintomas se manifestam quando ela está com fome de amor. É como se ela tivesse um estômago e um sistema digestivo emocional. Quando emocionalmente supridas, as crianças são agradáveis e comportadas. O estômago emocional precisa estar cheio!
A maior necessidade de uma criança é amor, pois ele representa tudo o mais: alimento, proteção, amparo, carinho, orientação, etc. Sentindo essa necessidade desde o nascimento, a criança busca o tempo todo se certificar de que é amada. Por isso, grande parte de seu comportamento, especialmente na interação com os pais e outros adultos, pode ser interpretada como uma constante pergunta: “Você me ama?”. E essa pergunta é feita através de seu comportamento, não de palavras. O mau comportamento, seja intencional ou não, é uma pergunta: “Você me ama? Você ainda me ama? E a forma como ela entende a resposta é através do comportamento dos pais1.
Text Box: “A afeição aumenta quanto mais ela [a criança] entrar em contato com pessoas que lhe sejam bondosas e afetuosas.”
Justin Pikunas2
As necessidades ligadas aos alimentos físicos são poderosas e se manifestam de muitas maneiras impressionantes. Quando privadas de alimentos adequados para fornecer os nutrientes que o corpo exige para seu bom funcionamento, as crianças buscarão inconscientemente suprir essa carência através da ingestão de outros elementos, inclusive terra e ferrugem.
Da mesma forma, crianças que não têm suas necessidades emocionais atendidas de maneira natural, ou seja, através de demonstrações constantes, regulares e consistentes de amor, buscam amor perverso. Como geralmente o mau comportamento atrai eficazmente a atenção dos pais, elas utilizam este recurso como uma demonstração de desespero. E ganham sua cota de amor perverso através da atenção que recebem de forma negativa quando se comportam mal.
Excetuando-se casos patológicos, todos os pais sentem uma extraordinária dimensão de amor para com seus filhos. O problema é que o amor não é apenas um sentimento, mas uma força que produz ações e transformações quando é adequadamente comunicada. Se a comunicação do amor não se dá de forma adequada, todo o amor do mundo não basta.
A comunicação do amor é tão importante quanto o sentimento do amor. Sem a comunicação eficaz, o amor não é sentido e não produz efeito. A comunicação do amor, como toda comunicação, possui quatro elementos básicos: 1) o emissor; 2) a mensagem; 3) o código (forma como a mensagem é transmitida); e 4) o receptor. Embora a absoluta maioria dos pais ame seus filhos, a porcentagem de filhos que se sente amada por seus pais é bem menor. Por quê? Porque embora não haja nada de errado com os emissores da mensagem (os pais) nem com os receptores (os filhos) nem com a mensagem em si (o amor), o problema é que estão usando códigos diferentes. É como se uns estivessem falando em chinês e os outros somente entendessem português!
As crianças entendem e respondem às emoções, aos gestos, expressões faciais e comportamento dos pais muito antes de serem capazes de compreender suas palavras. Enquanto os adultos se apóiam muito na comunicação verbal, o código de comunicação das crianças é não-verbal. O comportamento diz mais sobre o amor do que as palavras, especialmente para as crianças.
Todas as emoções e sentimentos dos pais passam para as crianças através de uma infinidade de detalhes e sutilezas não-verbais, como o tom de voz, a tensão muscular, o olhar, os gestos, as ações. Apesar desse universo complexo de manifestações de sentimentos, podemos simplificar as coisas dizendo que, basicamente, as necessidades emocionais das crianças são satisfeitas por quatro comportamentos básicos: o olhar carinhoso, o toque amoroso, a atenção concentrada e a disciplina amorosa. Trataremos de cada um deles neste e nos próximos capítulos.
Exercícios:
1.     O que é o amor? O que representa o amor para as crianças?
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2.     Qual o código usado na comunicação do amor pelas crianças e pelo adulto?
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3.     Qual a pergunta oculta no mau comportamento da criança?
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4.     Cite exemplos de manifestação da busca do amor perverso:
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5. Por que muitas crianças não se sentem amadas pelos pais mesmo sendo este o sentimento demonstrado por eles?
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O Olhar Carinhoso:
Os olhos não servem apenas para ver, mas também para alimentar. A alma da criança (e de qualquer ser humano!) é alimentada pelo olhar carinhoso dos demais.
A criança desenvolve seu senso de identidade quando é olhada com carinho nos olhos. Nós todos, como seres humanos, somos extremamente sensíveis ao olhar de outras pessoas. Se estivermos num grupo de pessoas que conversam entre si, e ninguém nos olhar nos olhos de vez em quando, sentimo-nos excluídos, ainda que escutemos suas palavras e elas as nossas. Logo sairemos deste grupo, sentindo-nos rejeitados. Da mesma forma, causa-nos mal-estar quando alguém conversa conosco sem trocar contato visual regular. Dificilmente conseguimos manter a conversa por muito tempo.
Pesquisas demonstraram que quando alguém entra numa sala cheia de pessoas, o que mais chamará sua atenção, entre todas as inúmeras coisas lá existentes, são os olhos de alguém que a mira fixamente. O olhar é algo tão poderoso que somos capazes de sentir quando alguém está nos olhando fixamente (“secando”), mesmo que estejamos de costas!
As crianças demonstram, desde muito pequenas, um fascínio inequívoco pelo olhar da mãe e do pai e o rosto humano é o que elas mais gostam de olhar, entre várias outras imagens que lhes sejam mostradas. Quanto menor sua idade, mais tempo elas mantêm o olhar, a ponto de podermos praticamente entrar dentro de seus olhos. Desde o nascimento elas parecem atraídas pelas faces ao seu redor. Por volta das seis ou oito semanas de vida elas procuram ativamente um par de olhos para olhar!
Não é de estranhar que seja assim, pois um rosto humano sorridente representa o amor e a atenção que a criança precisa para sobreviver e se desenvolver adequadamente. Por detrás dele está a alimentação, os cuidados físicos, a proteção, a nutrição emocional e o encaminhamento na vida dos quais ela tanto necessita.
O mais importante é que quando olhamos nos olhos de nossos filhos com carinho não apenas estamos estabelecendo com eles uma comunicação adequada, mas os estamos alimentando de amor. O olhar carinhoso é um dos quatro poderosos pilares da comunicação do amor entre pais e filhos, e deveria ser abundante, regular e prazeroso.
Crianças que não são olhadas com carinho regularmente não aprendem o valor e o sabor do olhar. Geralmente tornam-se esquivas, desconfiadas e desagradáveis. Terão dificuldades de comunicação com outras crianças e com os adultos ao seu redor. Vários estudos demonstraram que as crianças mais populares são aquelas que conseguem manter contato visual agradável com as pessoas. Tais crianças tendem a receber o melhor quinhão da atenção de adultos como médicos, professores, enfermeiras, etc. No seio da família tais crianças são as mais acarinhadas e prezadas. Imagine, pois, a desvantagem de uma criança que não aprende a olhar com carinho!
Text Box: “Recusar-se conscientemente a fazer contato visual com uma criança é no geral mais penoso do que o castigo corporal. Pode ser devastador, tornando-se um daqueles incidentes na vida de uma criança do qual ela jamais se esquece.”
Ross Campbell3
O olhar é fundamental para o bom desenvolvimento da criança não apenas emocionalmente, mas também fisicamente. Estudos médicos indicam que quando crianças pequenas, entre seis e doze meses de idade, são por algum motivo rejeitadas por seus pais, tendem a deixar de comer e crescer, tornando-se letárgicas e desatentas, podendo vir a morrer sem razões aparentes. Estes sentimentos de rejeição dos pais muitas vezes é inconsciente. Eles cuidam de tudo: higiene, alimentação medicação..., mas não são capazes de manter contato visual com os olhos sedentos de seus filhos. Portanto, crianças privadas do olhar amoroso, especialmente da mãe e do pai, têm um desenvolvimento prejudicado em vários sentidos.
Assim, é vital que você, para transmitir o amor que sente por seu filho, olhe nos seus olhos, com carinho, com regularidade, incondicionalmente. Olhe-o sempre nos olhos quando ele estiver relatando algo ou quando estiverem conversando, rindo, brincando, jogando, almoçando, etc. Assistindo TV, olhe nos seus olhos regularmente ao tecer algum comentário sobre o programa, ou quando estiverem rindo de algo engraçado que viram, ao invés de ficar encarando a TV. Ela não precisa do seu olhar. Ele sim!
Não deixe para olhar nos olhos do filho apenas quando ele se comporta de uma maneira que lhe é agradável (amor condicional). Acima de tudo, evite olhar nos seus olhos somente para transmitir mensagens negativas. Muitos pais, conscientes do poder do olhar, usam-no abundantemente nos momentos de dar carão (“Olhe pra mim quando eu falo com você! Que feio o que você fez!”). Tal atitude é desastrosa, pois condiciona a criança aos aspectos negativos do olhar. Como ela não consegue viver sem os olhos dos pais, e como aprende, desta forma, que quando se comporta mal eles seguramente olharão para ela, então usa o mau comportamento para conseguir o olhar deles de maneira inadequada, perversa. É semelhante ao que ocorre quando a criança come terra para suprir sua necessidade de ferro e outros minerais faltantes na alimentação. Ela está buscando, de maneira desesperada, aquilo que lhe é tão necessário.
Pior ainda é negar totalmente olhar nos olhos da criança, o que geralmente ocorre quando os pais estão aborrecidos com ela. Negar o olhar é imensamente destrutivo para a criança. Produz tremendo terror, desamparo, medo, insegurança e infelicidade. Muitas vezes elas chegam a implorar, com suas mãozinhas, o olhar da mãe e do pai, segurando seu rosto e tentando virá-lo na sua direção. Por isso, devemos fazer o possível para evitar totalmente este tipo de comportamento, que, infelizmente, é muito comum.
Quanto menor a criança, tanto mais ela necessita do amor dos olhos nos olhos. O tempo do olhar carinhoso deve ser adequado à evolução da criança, mas será sempre necessário. Meninos têm a tendência de ser mais defensivos à troca de olhares do que as meninas.
Existem crianças que são por natureza mais resistentes às demonstrações de carinho, como o olhar, o toque e a atenção concentrada. Porém, os pais não devem desistir de alimentá-las com seus olhares amorosos. Precisam cuidar para não se sentir rejeitados como pais, pois isso dificultaria muito suas demonstrações espontâneas de afeto. Pesquisas mostram que as demonstrações de rejeição por parte dos filhos são geralmente apenas aparentes. Não representam realmente rejeição, mas apenas indicações de desconforto com a forma de afeto que estão recebendo, ou testes para ver até que ponto o afeto é verdadeiro4.
Quando a criança vai atingindo a puberdade, por volta dos dez ou onze anos de idade, também começa a ser mais defensiva ao olhar. Mas isso não significa que os pais deveriam desistir de olhá-las nos olhos. O que precisa ser feito é adaptar o olhar amoroso para aqueles momentos em que a criança está mais receptiva a receber carinho, o que geralmente ocorre em cinco circunstâncias especiais:
1.     quando ela está muito alegre e acha alguma coisa engraçada.
2.     quando está muito orgulhosa de uma vitória ou conquista.
3.     quando está muito triste ou abatida fisicamente.
4.     quando está sofrendo emocionalmente.
5.     em momentos rotineiros que acostumou a associar a sensações prazerosas (pode ser durante um passeio, ou na hora de ir dormir, ou ao acordar, ou na hora das refeições).
As crianças naturalmente mais defensivas ao olhar (e ao toque) também ficam mais acessíveis nestes momentos.
Portanto, os pais precisam sempre lembrar que é sua missão dar amor incondicional aos filhos, não esperando retorno. Claro que isso pode ser muito difícil e frustrante, mas é um requisito da boa paternidade.
A mais importante regra com relação ao olhar amoroso é que ele deve ser sempre confortável, gostoso. Isso significa, basicamente, que deve "entrar" e "sair" no tempo certo. O que é o tempo certo? Cada pai deve descobrir isso através da empatia com cada um de seus filhos. Tudo depende da criança, do momento e do pai. Mas a regra geral é o conforto do olhar. Nós sentimos claramente quando um olhar está sendo demorado demais, o que, geralmente, demonstra falsidade de sentimentos, ou rigidez. Por isso, cuidado para não sair por aí com os olhos arregalados querendo hipnotizar com amor os seus filhos! Assim você só vai assustá-los!
O olhar amoroso deve ser um reflexo natural de nossos sentimentos de afeto e amor por nossos filhos. Ele não deve ser falseado, ou forçado, ou artificial. Toda criança sabe distinguir um olhar genuíno de um falso. A única maneira de olharmos nos olhos de nossos filhos com carinho é sentido genuinamente carinho por eles. Devemos ficar atentos para oferecer nosso amor o mais possível através do olhar confortável e terno.
Outra ocasião importante para a troca de olhares amorosos são os momentos de reencontro, como a volta das crianças da escola para casa, ou a chegada dos pais do trabalho. Momentos de reencontro são sagrados. São instantes breves, que devemos aproveitar para a troca carinhosa de olhares, afagos e para prestar atenção nas pessoas que amamos. Cada um deles é uma bênção a ser comemorada através de demonstrações de amor e carinho. Os dez primeiros segundos do reencontro são sagrados. Dez segundos apenas! Porém, fazem uma diferença imensa no coração e na vida! São breves momentos onde devem predominar o olhar amoroso, o abraço afetuoso e as afirmações de amor, saudades e alegria pelo reencontro.
Exercícios:
1.     Que tipo de olhar deve ser evitado com relação aos nossos filhos?
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2.     Como e quando devemos olhar nos olhos de nossos filhos?
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3.     Dê exemplo de uma situação em que houve um olhar de aprovação e outro com um olhar de desaprovação.
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4.     Quais os cinco momentos em que crianças defensivas ou púberes resistentes são mais abertos a expressões de carinho?
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5.     Por que os primeiros dez segundos do reencontro são sagrados? O que deveria ocorrer nestes breves instantes?
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6. O que é amor incondicional. Qual a diferença entre amor condicional e incondicional ? O que poderá gerar cada um deles?
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7. Marque com um X o que você considera como resposta(s) verdadeira(s):
a) Os pais de crianças mais resistentes às demonstrações de carinho com o olhar, devem:
olhá-las com desprezo                   negar-lhes o olhar         forçar o olhar a todo custo
insistir com o olhar amoroso       adaptar o olhar             desistir  do olhar
b) O que a maioria das demonstrações de rejeição da parte dos filhos pelos pais representa?
realmente rejeição        indicações de desconforto com a forma como o afeto é demonstrado                amor condicional       testes para ver até que ponto o afeto é verdadeiro             
8. Relacione algumas das vantagens para as crianças mais populares e algumas privações das crianças rejeitadas pelos pais:
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Notas e Bibliografia:
1. Uma abordagem detalhada sobre a comunicação não-verbal entre crianças e adultos pode ser encontrada em: Campbell, Ross. Filhos Felizes. Tradução de Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão, 1991.
2. Pikunas, Justin. Desenvolvimento Humano. Tradução de Auriphebo Berrance Simões. São Paulo: McGraw-Hill, 1979. p. 175
3. Campbell, Ross. Filhos Felizes. Tradução Neyd Siqueira. São Paulo: Mundo Cristão, 1991. p. 34-5
4. Greenspan, Stanley. Filhos Emocionalmente Saudáveis, Íntegros, Felizes, Inteligentes. Tradução de Sérgio Teixeira. Rio de Janeiro, Campus, 2000.

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