terça-feira, 30 de setembro de 2014

Educar por Inteiro - Cap. 12: Atividades que Promovem a Educação Ética


Capítulo  12
Atividades que Promovem a Educação Ética
Embora o que vimos até aqui nos pareça ser o mais essencial para o bom encaminhamento ético e moral das crianças, muitas vezes os pais ficam em dúvida sobre quais atividades podem desenvolver com seus filhos para estimulá-los no caminho do bem. Explorar em detalhes tais práticas pedagógicas foge do escopo desta obra, e deverá ser objeto de outro livro complementar. Mas fornecemos a seguir algumas dicas, que podem ajudar os pais em seus esforços.
Preceitos: estímulo, aconselhamento, orientação, explicação
Depois do exemplo, a prática pedagógica mais constante e fundamental para a educação ética são as palavras de orientação, de correção e de explicação sobre a conseqüência dos bons e dos maus atos. O bom comportamento deve ser encorajado e estimulado através de frases positivas e propositivas, do tipo: “A vovó fica feliz quando você dá um beijo nela! Quando a gente chegar, quero ver você dando um beijo bem gostoso nela!”, em vez de corrigir o negativo com reprimendas (“Que feio! Não cumprimentou a vovó!”).
Evite o “não”, solicitando o correto em vez de proibir o errado. Em vez de “Não pode jogar bola dentro de casa!”, diga “Bola só pode jogar no jardim!”; em vez de “Não pode comer se não lavar as mãos!”, prefira “Antes de comer é preciso lavar as mãos!”; ao invés de “Não quero que você vá lá!”, escolha “Quero que você fique aqui!”; em vez de “Pare de fazer bagunça!”, melhor seria “Quero que você fique quieto agora!”.
Os pais devem se acostumar a explicar porque os bons hábitos são solicitados, e, na primeira infância isso pode significar infinitas repetições: “Você só pode brincar longe do fogão, pois pode cair algo quente em você e machucar muito.”; “Agora vamos lavar as mãos para comer, para tirar os micróbios que podem fazer mal!”; “O sofá pode estragar se você ficar pulando nele, por isso quero que você fique sentado.”; “Assim como precisamos de comida para o corpo ficar forte, precisamos da oração para fortalecer a alma”. Dê explicações baseadas na realidade, mesmo para crianças pequenas, e não na fantasia, do tipo “senão o homem do saco te pega!”.
A vida oferece infinitos momentos educacionais, quando uma palavra de estímulo, orientação e explicação pode fazer a diferença entre aprender uma lição moral ou não. Mas para isso os pais devem estar atentos e usar as situações do dia-a-dia para o ensino do bom comportamento. E a instrução precisa sempre ser sustentada pelo exemplo, pois não podemos esquecer que a educação ética deriva muito mais da imitação e da adoção dos valores do lar e da escola, do que de preceitos morais.
Provérbios, fábulas, histórias e relatos
Os seres humanos, principalmente as crianças, adoram histórias. Histórias que exemplifiquem e elogiem as virtudes são importantes instrumentos para a educação para o bem. Elas oferecem poderosas referências nas quais a consciência pode se apoiar quando busca o caminho certo a ser seguido no dia-a-dia.
Todo tipo de história vale para a reflexão sobre a importância das virtudes. Parábolas, histórias e relatos religiosos têm guiado a humanidade em todos os tempos, oferecendo vívidos exemplos do bem e do mal na vida. Existem vários livros de histórias bíblicas para crianças que podem ajudar os pais nessa tarefa.
As fábulas são outra fonte inesgotável de prazer e ensinamentos. As de Esopo, de La Fontaine, da Carochinha, de Florian e de Monteiro Lobato servem muito bem a este propósito. Elas podem ser encontradas em livros, ou mesmo na internet, para download. Duas belas coletâneas de histórias dessa natureza foram feitas por William J. Bennett e podem ser encontradas em português, inclusive em formato ilustrado. Abaixo oferecemos algumas dicas de livros e sites da Internet que os pais podem utilizar.
Os provérbios (“gato escaldado tem medo de água fria”), ditos populares (“a vida é dura pra quem é mole”), imagens (“tapar o sol com a peneira”) e comparações (“fumar como uma chaminé”) também têm poder na educação moral. Eles comunicam um significado de forma imaginativa e emocional que toca profundamente a consciência. Apóiam-se em imagens para transmitir máximas com ares de verdade absoluta. Podem ser muito úteis e dão um colorido especial à comunicação quando utilizadas regularmente. Nem sempre expressam sentimentos nobres, por isso devemos ser criteriosos na escolha daqueles que orientam para o bem.
Afirmações Positivas
Afirmações são frases positivas ou negativas, pensadas ou faladas, a respeito do que somos ou do que podemos ser e vivenciar. Frases como “Eu sei ser paciente e calmo.”, ou “Eu posso ser organizado.”, ou “Eu sou digno de amor e amizade.”, são afirmações positivas.
O mau comportamento está associado aos maus sentimentos, e estes geralmente derivam de convicções negativas a respeito de nós mesmos e dos outros. Durante o dia todo, ou mesmo a vida toda, somos bombardeados por pensamentos negativos ─ as afirmações negativas ─ do tipo: “Eu não faço nada direito mesmo!”, “Como sou atrapalhado!”, “Estou muito cansado!”, “Não consigo!”, etc. Muitas vezes estas depreciações são ecos de condenações ouvidas na infância, do tipo “Narigudo!”, “Exibido!”, “Nervosinho!”, etc.
As afirmações atuam no nosso inconsciente, e ele tem poder formativo em nossas vidas. Está por trás de praticamente todas as escolhas mais significativas que fazemos, para o bem ou para o mau, para nossa vantagem ou desvantagem. Por isso, as afirmações positivas são importantes para harmonizar nossas crenças mais profundas com o potencial de plenitude e beleza que já existe dentro de nós. Elas servem como antídoto para as críticas e condenações que fazemos a nós mesmos, ou que aceitamos dos outros, e nos ajudam a provocar as mudanças que desejamos.
Quase tudo que desejamos mudar em nós mesmos pode ser alcançado através de afirmações. E ajudar a criança a desenvolver este hábito saudável de pensar bem sobre si mesma é uma ajuda preciosa para seu desenvolvimento ético e moral. Mas devemos primeiro ser capazes de fazer este bem a nós mesmos, para então podermos ensinar as crianças.
As afirmações positivas atuam melhor quando usadas em momentos mais relaxados, como ao deitar-se, ao acordar, ou durante momentos de relaxamento e meditação. Podemos usá-las regularmente com nossos filhos ao colocá-los para dormir, aproveitando os momentos mágicos de aconchego e carinho para ensiná-los a repetir as afirmações. Elas funcionam especialmente bem com crianças pequenas, pois elas ainda não estão contaminadas com auto-imagem negativa. E as mais poderosas são justamente aquelas afirmações que promovem a auto-estima.
Você pode redigir um conjunto de afirmações para você e para seus filhos, e colocá-las em prática, como um exercício espiritual, durante vários dias, alternando as afirmações conforme a necessidade e as circunstâncias. A repetição de uma afirmação aumenta seu poder e sua eficácia.
As afirmações precisam ser bem pessoais, por isso devemos iniciá-las por “Eu”, ou “Meu/Minha”, ou pelo nome (que é uma forma bem adequada de ensinar afirmações a crianças pequenas que ainda se referem a si mesmas pelo próprio nome em vez de dizerem “eu”). “Eu sou...”, ou “Andréia é...” é uma forma poderosa, assim como “Eu posso...”, “Andréia pode...”.
Elas devem ser formuladas como se a mudança que desejamos já fosse realidade, pois se afirmarmos coisas no futuro, em vez do presente, do tipo: “Eu vou ser mais paciente.”, ou “Eu vou conseguir me controlar.”, o inconsciente vai sempre remeter a mudança para o futuro, e ela nunca virá! A afirmação deve indicar que o resultado já foi alcançado, e não que ainda está por vir.
Devemos usar sempre frases que digam o que queremos ser e não o que não queremos ser. Em vez de “Eu não critico as crianças!”, diga “Eu encorajo as crianças”. Não use as afirmações para comparações, como “Eu posso dançar tão bem quanto a Janete.” Concentre-se em você mesmo: “Eu posso dançar bem.”
Cada momento da vida pode exigir uma ou mais afirmações positivas diferentes. A chave é identificar o que está incomodando e criar uma ou mais afirmações para enfrentar a deficiência. Repita a afirmação várias vezes por dia, com sentimentos de alegria e confiança. Quanto mais emoção genuína você colocar na afirmação, melhor.
O mesmo procedimento descrito acima se aplica às crianças. Você identifica os objetivos educacionais que tem em vista – como ajudar a criança a ser mais paciente, mais gentil, mais corajosa, etc – e cria afirmações apropriadas, pedindo que a criança a repita na hora de dormir, ou nos momentos educacionais apropriados, que geralmente são justo aqueles quando ela fraqueja na qualidade ou virtude que precisa ser desenvolvida.
Exemplos de afirmações positivas: “Sou grato à vida e gosto de comemorar o bem que há nela.” “Eu posso controlar meus sentimentos através de meus pensamentos, palavras e ações.” “Eu posso perdoar e ser gentil com quem me maltratou.” “Eu olho para o lado bom das pessoas e de todas as coisas.” “Eu sei comer sem sujar a mesa.” “Alexandre sabe arrumar seu quarto.” “André gosta de ler.”
Oração e intercessão pelas crianças
Por milhares de anos, a oração tem sido considerada um instrumento essencial para o progresso e a proteção espiritual. Krishna, Buda, Zoroastro, Moisés, Jesus, Maomé, o Báb e Bahá’u’lláh ─ profetas de cujos ensinamentos temos registros escritos ─, todos ensinaram a importância da oração. No século XX, vários estudos se dedicaram a comprovar cientificamente o poder da oração e seus resultados foram muito extraordinários. As pesquisas provaram, por exemplo, que pacientes hospitalizados que recebem orações para sua cura têm cinco vezes menos complicações infecciosas e uma incidência três vezes menor de edema pulmonar.[1]
Assim, crie o hábito de interceder por seus filhos em oração, pedindo a Deus que os proteja, guarde e abençoe. Não é necessário que a oração seja formal, elaborada e complexa. Simplesmente converse com Deus como se estivesse conversando com um querido amigo, e expresse seus sentimentos e suas solicitações.
É importante aprender a entregar a Deus uma medida do destino de nossos filhos, mas isso não significa abandoná-los. Em uma palestra uma vez um pai me disse: “Eu desisti. Não sei mais o que fazer com meu filho, por isso entreguei-o a Deus!”. Respondi a ele que entendia seu sofrimento e desespero, mas que a coisa era o inverso: Deus é quem tinha entregado o filho a ele para criar, e que não aceitava devolução. A missão dos pais de guiar e educar os filhos é sagrada por natureza. Se não souberem como fazê-lo, devem procurar aprender; se estiverem perdidos, devem buscar orientação; se estiverem cansados, devem buscar ajuda. Mas não podem desistir. Nunca. A felicidade dos filhos e deles próprios depende disso.
Exercícios:
1.     Transforme as seguintes instruções negativas em preceitos positivos, dizendo o que fazer e não o que não fazer:
a) “Não quero que você minta mais!”: 
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b) “Não quero que você grite com seu irmão!” 
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b) “Não pode mexer nas coisas que estão na prateleira!” 
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b) “Não pode sair de perto da mamãe!” 
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2.     Relacione alguns ditados ou provérbios que lhe parecem ter valor para a educação moral das crianças.
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3.     Liste os comportamentos ou atitudes de seu filho que você mais deseja ver melhorados. Então crie afirmações que possa ensinar a ele para cada uma das situações, e utilize-as nos momentos adequados.
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4.     Comente com o grupo experiências positivas, suas ou de outrem, com a oração de intercessão pelos filhos.
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Sites na Internet
Os seguintes sites podem ajudar no recolhimento de material e idéias para ajudar no processo de educação ética.
www.animamundi.org.br: encaminha para importantes sites na área da educação, cultura, religião e ciência. Especialmente interessantes os links para sites que oferecem citações, provérbios e histórias.
http://sitededicas.uol.com.br/cfolc.html: fábulas e contos do folclore brasileiro, por região do país, contos da Carochinha, de La Fontaine, Esopo, entre outros, para pesquisa ou download.
http://www.educacional.com.br: fábulas e contos, inclusive com animação. Exige cadastramento prévio.
http://www.mundocaipira.com.br/folclore/5.asp#proverbios: provérbios, travalínguas e adivinhações da cultura brasileira.
http://www.educacaomoral.hpg.ig.com.br/conta/conta.htm: histórias de fundo moral, num site dedicado à educação moral.
http://www.metaforas.com.br/inicial.html: inúmeras histórias e fábulas com ensinamentos morais. Pode-se pesquisar as histórias por palavra-chave, como paciência, bondade, etc.
http://www.portaldafamilia.org/sccurious/pf_curious.shtml: na seção variedades do portaldafamilia.org, você encontra várias histórias adequadas, além de o portal ser uma fonte de orientação muito boa.
http://www1.uol.com.br/criancas: histórias e fábulas animadas de autores clássicos e modernos.
http://www.emack.com.br/info/download/wsites.php: oferece comentários sobre websites dedicados às crianças. Fonte de idéias e jogos, mais do que histórias, mas muito bem montado e útil.

Livros:
O melhor é ir a uma boa livraria e pedir pelos livros de educação infantil, histórias e fábulas, e então escolher aqueles com os quais simpatizar mais. Peça por autores clássicos, como La Fontaine, Esopo, Florian, além das histórias da Carochinha e de Monteiro Lobato.
Duas obras de fundamental importância, pelo volume e diversidade de material recolhido são os dois volumes de “O Livro das Virtudes”, de William J. Bennett, publicados no Brasil pela Editora Nova Fronteira.
            Nos seguintes sites você também encontra listas de livros úteis para trabalhar com a criança.
http://www.educacao.gov.br/sef/leitura.shtm: oferece uma lista de livros de contos e histórias infantis selecionados para o projeto “Literatura em Minha Casa” do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), além de dicas de como contar histórias.
http://www.netds.com.br/kids: oferece dicas de literatura infantil e infanto-juvenil.



[1] Várias destas pesquisas e suas fontes estão apresentadas em: Laszlo, Ervin. The Connectivity Hypothesis: Foundations of an Integral Science of Quantum, Cosmos, Life, and Consciousness. New York: State University of New York Press, 2003.

Educar por Inteiro - Cap. 11: Princípios da Educação Ética


Capítulo  11
Princípios da Educação Ética
            Já falamos muito sobre a importância da educação ética e moral, embora seja um assunto que nunca se esgota. Temos agora que analisar quais os requisitos fundamentais para que pais e educadores sejam eficazes neste esforço, que são: 1) convicção e perseverança, 2) visão positiva da natureza humana, 3) aceitação da singularidade da criança, 4) dar o bom exemplo, 5) amor e harmonia entre o casal, 6) abundância de experiências positivas, 7) espiritualidade.
Convicção e Perseverança
Antes de tudo, é preciso estar convicto da importância da educação do caráter. Se alguém está plenamente convencido disto, então buscará e encontrará os meios de pôr a educação para a ética em prática. A educação para o bem exige constância e dedicação. Os bons hábitos requerem tempo e quase que infinitas repetições para serem adquiridos e introjetados. Apenas a fé na relevância da educação ética e no seu resultado positivo permitirá a perseverança para não desistir.
É por isso que até agora apresentamos muitos argumentos sobre sua relevância. Se pais e professores estiverem com isso no âmago de sua cabeça e seu coração, certamente encontrarão os meios para serem eficazes e exitosos.
Visão Positiva da Natureza Humana
Nossos pensamentos, sentimentos e ações em relação às crianças são tremendamente influenciados por nossas crenças fundamentais a respeito da natureza humana. Geralmente essas crenças são inconscientes e não questionadas. Elas se formam durante a infância e juventude, através das experiências, principalmente emocionais, e passam a fazer parte do conjunto de referências internas que usamos para interpretar o mundo e nele atuar.
O tipo de crença que nutrimos sobre o ser humano influencia nossas expectativas com relação às crianças e isso tem um imenso poder sobre sua forma de comportamento. Se se espera que as crianças sejam más, elas serão[i].
Alguns adultos são guiados por uma crença infundada de que as crianças são naturalmente “más”, precisando ser “domadas” e “corrigidas”. Assim, todas as suas atitudes são guiadas por uma necessidade de policiar e punir, pois sempre esperam o pior. Além disso, não costumam ter olhos para ver as coisas que a criança faz certo e reconhecer seu esforço, mas apenas enxergam os defeitos, erros e fracassos.
A Psicologia mais avançada nos diz que o ser humano não é mau por natureza. Um dos primeiros e mais destacados expoentes desta visão foi o psicólogo americano Abraham Maslow. Escrevendo sobre a essência do ser humano, ele disse: “A natureza humana está muito longe de ser tão má quanto se pensava. De fato, pode-se dizer que as possibilidades da natureza humana têm sido, habitualmente, depreciadas.”[ii]
Uma visão mais positiva da natureza humana vê as crianças como pedras preciosas que podem ser lapidadas, ou plantas, que podem ser cultivadas, mas que já possuem todo o potencial de beleza dentro delas mesmas. Lembre-se que já tratamos disso em capítulos anteriores. Você pode desejar reler aquelas páginas, para refrescar a memória.
Quando estamos plenamente convictos de que os seres humanos são nobres por natureza, então nossos esforços educacionais serão muito mais adequados, eficazes e corretos. A educação ética e moral dar-se-á pelo encorajamento, pela orientação positiva e pelo esclarecimento entre o certo e o errado e suas conseqüências. Em vez de se concentrarem no comportamento negativo, pais e educadores naturalmente salientarão o bom comportamento e o encorajarão.
Aceitação da Singularidade da Criança
Quando os gametas do pai e da mãe se unem na fecundação, eles formam um novo ser humano, único no universo, singular, sem igual. A combinação exclusiva dos genes que formam cada ser humano não apenas determina suas características físicas, mas também, em grande medida, seu temperamento, seus potenciais intelectuais e físicos e muito de seus dons e talentos. Enfim, a criança já nasce com uma personalidade.
Os pais têm a tendência de aceitar as características físicas das crianças e dificilmente pensam seriamente em tentar mudá-las. Certamente consideraríamos loucura um pai que tingisse o cabelo do filho simplesmente porque o preferiria loiro em vez de moreno.
Entretanto, o mesmo não se dá com a personalidade e o temperamento das crianças. Muitos pais gostariam simplesmente que os filhos fossem “diferentes”. Gostariam que eles não fossem “tão desorganizados quanto eu”, ou “tão nervosos quanto a mãe”, ou “tão agitados quanto o irmão mais velho”, ou “tão mal-humorados quanto o pai”, etc., etc. A mensagem que estes pais passam permanentemente para seus filhos é “você não é bem aquilo que eu queria que você fosse”. Claro que tais crianças se sentem tremendamente ressentidas e magoadas. Uma mágoa e um ressentimento mudos, que ficam abaixo do nível consciente, gerando baixa auto-estima, insegurança e tristeza.
Para que a educação ética possa ser eficaz a criança precisa se sentir aceita, acolhida e amada pelo que ela é. Ou seja, precisa ser amada incondicionalmente. Somente então será capaz de moldar seu comportamento de acordo com os melhores conselhos e orientações. O objetivo da educação ética é promover a boa consciência, ensinar o bom comportamento e estimular os bons sentimentos, não alterar a personalidade. Podemos ajudar nossos filhos a refinarem seus temperamentos e personalidades, mas não a substituí-los.
Quando aceitamos a singularidade de cada criança de forma positiva, então naturalmente buscaremos as melhores abordagens educacionais para inculcar em cada uma delas aquelas nobres virtudes das quais depende a felicidade individual e coletiva dos seres humanos.
Exercícios:
1.     Numa escala de 1 a 10, qual a importância que você atribui à educação para a ética e a moral? (1 significa pouco importante, 10 representa importância máxima). Comente com o grupo.
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2.     Por que é importante ter uma visão positiva da natureza humana?
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3.     Você e seu cônjuge aceitam plenamente a personalidade característica de seus filhos? Que dificuldades encontram nesse sentido?
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4.     Comente com o grupo exemplos que você conheça de pais que quiseram transformar seus filhos em algo que eles não eram, e as conseqüências disso.
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Dar o Bom Exemplo
As mais duradouras lições que a criança aprende são ensinadas em silêncio. As crianças observam e sentem tudo. Muito antes de serem capazes de manifestar qualquer sinal de autonomia e raciocínio elaborados, elas já estão sendo educada pelas emoções que captam no ambiente ao seu redor e pelos exemplos que observam. Estudos transculturais demonstraram que aos cinco anos de idade as crianças já têm firmemente introjetados os padrões morais do ambiente no qual são criadas. O aprendizado dos padrões éticos e morais não espera pela educação formal[iii].
Nos primeiros anos de vida, como diz o psicólogo Khalil Khavari: “as poderosas forças da recompensa e punição, amor e ódio, alegria e tristeza, dor e prazer começam a dar forma às atitudes, habilidades e comportamento” das crianças[iv]. As lições que a criança melhor aprende são dadas pelo exemplo, não pelas palavras e sermões.
Por isso, os pais precisam fazer uma avaliação sincera de suas convicções, atitudes e ações à luz da ética e do bem coletivo, dentro e fora da família. Através deste esforço sincero para se tornarem melhores seres humanos eles serão capazes de ensinar poderosas lições através de seu exemplo. O exemplo é especialmente poderoso na formação ou na prevenção dos preconceitos e do fanatismo.
Os pais devem ser capazes de investigar seus próprios rancores, ódios e antagonismos “embutidos” e dirigidos contra pessoas de outras raças, nacionalidades, religiões ou classes sociais, substituindo-os por sentimentos de respeito, amor e aceitação para com todos os seres humanos. Se não o fizerem, as crianças serão igualmente vítimas do desamor que testemunham e sentem nos pais, perpetuando o ciclo perverso de preconceitos e ódios inconscientes.
Amor e Harmonia entre o Casal
Talvez nada afete mais o clima no qual se dá o desenvolvimento ético e moral de uma criança do que a qualidade da relação matrimonial de seus pais. A criança é como uma pequena planta em desenvolvimento e o amor e a harmonia entre os pais é como o clima do ambiente no qual esta planta se desenvolve. Se o clima é de constantes trovoadas, ventanias, furacões, enxurradas, estiagens violentas, então é óbvio que a planta sofrerá muito e seu desenvolvimento será muito prejudicado. Por outro lado, se o clima é ameno, cálido e suave, então ela desenvolver-se-á adequadamente, mesmo que ocorram alguns temporais de verão.
O casal deve cuidar para que sua relação conjugal seja o mais amorosa, compassiva e madura possível. Devem considerar o cultivo de sua relação de amor como parte integrante de seu desenvolvimento e amadurecimento como pessoa, bem como da educação dos filhos. A relação entre os pais oferece às crianças as primeiras lições fundamentais sobre valores e práticas morais como amor, perdão, paciência, carinho, diálogo, boa-vontade, cortesia, arrependimento, reconciliação, etc.
Quando a relação conjugal é abalada pela falta de amor e harmonia, o desgaste dos pais impede que dediquem o melhor de sua atenção e cuidado à educação dos filhos. Além disso, as crianças têm a tendência de depreciar a orientação e o conselho dos pais quando testemunham neles um comportamento imaturo, hostil e amargo.
Mesmo em caso de separação, os pais podem e devem manter relações de cordialidade e respeito, evitando a crítica e a hostilidade mútuas.
Abundância de Experiências Positivas
Sabemos que a vida não é feita somente de coisas boas, quer no tocante a sentimentos, quer nas experiências, atitudes ou ações. Existe o mal e ele se manifesta de muitas maneiras dentro e fora do ser humano. Para que o desenvolvimento da moralidade nas crianças se dê de maneira adequada é necessário que elas experimentem mais coisas positivas do que negativas na vida. Sorrisos, afagos, bondade, amor, perdão, compaixão, estímulo, encorajamento e orientação precisam ser mais abundantes do que críticas, rancores, repreensões, castigos, agressividade, frieza, ofensas e desamor.
Simplificando muito, podemos dizer que a qualidade do desenvolvimento ético e moral de uma criança depende do saldo que houver entre suas experiências positivas e negativas. Cada experiência positiva soma um ou mais pontos. Cada experiência negativa subtrai um ou mais pontos. Se a contagem no final do dia – ou da semana, ou do ano, ou da infância – for negativa, então certamente o desenvolvimento da criança será prejudicado.
Por isso, os pais precisam ser cuidadosos para propiciar o maior número de experiências positivas para seus filhos, especialmente na demonstração de amor e na condução da disciplina. Isso pode ser feito seguindo as orientações que estudamos em detalhe nos cinco primeiros capítulos deste livro. E, além disso, devem evitar ao máximo as experiências negativas que roubam pontos preciosos da qualidade da vida e do desenvolvimento de seus filhos.
Isso não quer dizer que os pais nunca possam ficar irritados, nervosos, zangados ou decepcionados com seus filhos. Isso seria impossível. Mas significa que tais sentimentos negativos deveriam ser sempre dirigidos contra o mau ato e o mau procedimento, não contra a criança, como analisamos no capítulo quatro. Significa também que os pais deveriam desenvolver a capacidade de expressar seus sentimentos negativos de forma controlada, verbalizando-os (“Estou muito chateado porque você me desobedeceu.”), ao invés de expressá-los por atos de violência ou palavras ofensivas (“Você é um menino desobediente e mal-educado!”).
Frases que expressem sentimentos e ajudem a baixar a tensão, do tipo ─ “Eu estou com muita raiva porque você manchou a colcha nova que eu comprei ontem. Não é raiva de você, mas do que você fez! Depois que eu me acalmar vamos conversar a respeito.” ─ têm muito mais eficácia do que explosões de raiva através de ofensas ou de agressão física.
Espiritualidade
Não existe desenvolvimento ético ou moral que possa prescindir da espiritualidade. Espiritualidade é algo difícil de definir, mas talvez possamos dizer que sua maior característica é o profundo amor a Deus e a todas as criaturas. Quanto mais abundante, abrangente, constante e manifesto for o amor, maior a espiritualidade.
A espiritualidade se manifesta na mansidão, na retidão de caráter, na bondade, na justiça, na temperança, na caridade, no perdão, na paciência, na fé, na perseverança, na compaixão, na alegria e na humildade, entre tantas outras virtudes e características sublimes e nobres.
O principal instrumento para se cultivar a espiritualidade, ao longo dos milênios, tem sido os ensinamentos das grandes religiões e das tradições espirituais do mundo. As religiões mundiais invariavelmente ensinaram princípios e práticas que ajudam o ser humano a transcender as limitações do mundo material, a enfrentar as dificuldades e agruras da vida, a amar e perdoar o próximo e a encontrar um significado maior para sua existência.
Todos os mais elevados princípios e práticas morais que têm guiado a humanidade ao longo dos milênios nasceram, sem exceção, diretamente dos ensinamentos de uma das grandes religiões mundiais, ou de sua influência[v]. As práticas da oração, da meditação, do jejum, da caridade, entre tantos outros ensinamentos, ajudam as pessoas a descobrir e desenvolver os poderes de suas almas e a comungar com Deus, o Espírito Supremo.
Porém, não devemos confundir espiritualidade com religiosidade. Uma pessoa pode ser espiritual sem ser necessariamente religiosa. E há pessoas que são muito religiosas, mas que carecem de espiritualidade. A religiosidade pode ser um instrumento para desenvolver a espiritualidade, mas também pode levar ao obscurantismo, ao radicalismo e ao fanatismo. Alguns, por causa de sua religiosidade, sentem-se orgulhosos, acima dos demais. A espiritualidade não admite tais sentimentos, pois ela é dominada pelo acolhimento e compaixão para com todos.
A pessoa religiosa e espiritual reverencia e pratica os ensinamentos de sua religião, mas não despreza nem antagoniza as demais crenças e os seguidores de outras correntes religiosas. Ela se sente irmanada mesmo com os diferentes e considera a todos seus próximos. Ela não julga. Não condena. Não ofende. Não exclui. Ela entende a profunda verdade inscrita várias vezes na Bíblia, que diz: “Reconheço por verdade que Deus não faz distinção entre as pessoas; mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e obra o que é justo”[vi]. Devemos lembrar que quando isso foi escrito, as outras nações não eram nem católicas nem mesmo cristãs.
Quando os pais valorizam a religião e a praticam como algo natural, bonito, sem preconceitos, dogmatismos e fanatismos, então é muito provável que a espiritualidade será uma característica do lar e as crianças serão positivamente influenciadas por este clima moral. Mas é necessário que a espiritualidade e as práticas religiosas sejam uma coisa viva na vida dos pais, que eles mesmos as tenham como um hábito, e não que forcem a criança a seguir dogmas e rituais apenas por conveniência social ou tradição. Se querem que as crianças orem, devem eles mesmos orar. Se querem que descubram os benefícios da meditação, devem eles mesmos descobri-los, e assim por diante. Quando a espiritualidade e a religião não são vivenciadas verdadeiramente pelos pais, mas são impostas aos filhos e exigidas deles, o resultado típico é eles se afastarem de qualquer coisa relacionada a Deus.
Os princípios morais ensinados nas grandes tradições espirituais ajudam o homem a ter uma referência sólida sobre o certo e o errado, e colocam as opções morais acima das vantagens pessoais e sociais passageiras. Todas as escolhas éticas e morais são iluminadas e fortificadas quando o homem descobre nelas um significado divino e eterno.
Entre todos os incontáveis ensinamentos das grandes religiões mundiais, existe um que predomina como o mais importante: a regra áurea, ou regra de ouro. Ela é aquela lei espiritual da prática do amor ao próximo, de fazer o bem e evitar o mal. Os textos que veremos a seguir, encerrando este capítulo, são retirados das escrituras sagradas de algumas das grandes religiões mundiais. Através de sua leitura, podemos ver como a regra áurea tem sido, ao longo dos milênios, continuamente reforçada por todos os profetas em todas as terras. Ela faz parte das escrituras que são sagradas para bilhões de pessoas em todo o planeta. Sem dúvida, pode bem servir como a base e o fundamento de qualquer educação ética no mundo contemporâneo.
Nas citações que se seguem, após o nome da religião, colocamos o nome do seu profeta-fundador, a região onde ela surgiu e a data aproximada de sua origem.

A Regra Áurea nas Grandes Religiões Mundiais

Hinduísmo  (Krishna. Há 5.000 anos, Índia)
Não faças aos demais aquilo que não queres que seja feito a ti; e deseja também para o próximo aquilo que desejas e aspiras para ti mesmo. Essa é toda a Lei, atenta bem para isso.                  (Mahabharata, apud. Rost, p.28; Campbell, p.52)

Judaísmo  (Moisés. Há 3.400 anos, Egito-Palestina)
Não faças a outrem o que abominas que se faça a ti. Eis toda a Lei*. O resto é comentário.    (Talmud Babilônico-Hillel, apud. Schlesinger & Porto, p.26; Rost, p.69)
Amarás o teu próximo como a ti mesmo.          (Levítico, 19:18)

Zoroastrismo  (Zoroastro. Há 2.600 anos, Pérsia)
Aquilo que é bom para qualquer um e para todos, para quem quer que seja - isso é bom para mim... O que julgo bom para mim mesmo, deverei desejar para todos. Só a Lei Universal é verdadeira Lei.                       (Gathas, apud. Rost, p.56)

Budismo  (Buda. Há 2.500 anos, Nepal-Índia)
Todos temem o sofrimento, e todos amam a vida. Recorda que tu também és igual a todos; faze de ti próprio a medida dos demais e, assim, abstém-te de causar-lhes dor.                                              (Dhammapada, apud. Rost, p.39)

Cristianismo  (Jesus Cristo. Há 2.000 anos, Palestina)
Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, porque isto é a Lei e os Profetas.  (Mateus 7:12)

Islamismo  (Maomé. Há 1.400 anos, Arábia)
Nenhum de vós é um verdadeiro crente a menos que deseje para seu irmão aquilo que deseja para si mesmo.            (Hadith, apud. Rost, p.103; Campbell, p.54)

Tradição Yourubá  (Há 1.200 anos, África)
Sempre que alguém quebrar um galho na floresta, deve pensar como se sentiria se ele próprio fosse o galho que está sendo quebrado.         (apud. Rost, p.21)

Fé Bahá’í  (Bahá’u’lláh. Há 150 anos, Pérsia-Palestina)
Ó filho do homem! ... se teus olhos estiverem volvidos para a justiça, escolhe tu para teu próximo o que para ti próprio escolhes. Bem-aventurado quem prefere seu irmão a si próprio... tal homem figura entre o povo de Bahá.
(Palavras do Paraíso:  Terceira e Décima Folhas do Paraíso)
Não ponhais sobre nenhuma alma uma carga da qual vós não desejaríeis ser incumbidos, nem desejeis para pessoa alguma as coisas que não desejaríeis para vós mesmos. É este Meu melhor conselho a vós, fôsseis apenas observá-lo.
(Bahá’u’lláh. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh, LXVI)


Exercícios:
1.     Comente a frase: “As mais duradouras lições que a criança aprende são ensinadas em silêncio”.
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2.     Alguma coisa no exemplo que você e seu cônjuge dão às crianças não combina com o que ensinam ou exigem delas?
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3.     O que um casal pode fazer para melhorar a relação conjugal?
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4.     Como podemos garantir que nossos filhos tenham mais experiências positivas do que negativas?
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5.     Qual a única maneira construtiva de expressar maus sentimentos?
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6.     Qual a maior característica da espiritualidade?
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7.     Qual a diferença entre espiritualidade e religiosidade?
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8.     Sem citar nomes, dê exemplos de pessoas muito religiosas, mas pouco espirituais, e de pessoas muito espirituais, mas não necessariamente religiosas. Comente com o grupo como elas se comportam nas relações interpessoais.
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9.     Como você pensa que pode praticar a regra áurea no dia-a-dia?
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10.  Como pensa que é possível ensinar a regra áurea para as crianças a colocarem em prática?
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11.  Dê exemplos de coisas que você faz com os outros e que não gostaria que fizessem com você. Como você pensa que poderia evitar estes comportamentos?
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Notas e Bibliografia


[i] Jones, Edward. Interpreting Iterpersonal Behavior: the Effect of Expectancies. Science, 3 october 1986, p. 41-6.
[ii] Maslow, Abraham H. Introdução à Psicologia do Ser. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Eldorado, s.d. 2ª ed
[iii] Shweder, R; Mahapatra, M.; Miller, j. Culture and Moral Development. In: Kagan, Jerome and Lamb, Sharon, eds. The Emergence of Morality in Young Children. Chicago, University of Chicago Press, 1999. p. 60.
[iv] Khavari, Khalil and Khavari, Sue Willinston. Creating a Successful Family. One World, Oxford, 1990. p. 37
[v] Horkheimer, Max. Die Sehnsucht nach dem ganz Anderen,. Ein Interview mit Kommentar von H. Gumnior. Hamburg: 1970. p.  60.
[vi] Bíblia. Atos 10:34. Vide também Dt. 10:17; II Cro. 19:7; Jó 34:19; Rom. 2:11; Gal. 2:6; Ef. 6:9; Col. 3:25; I Ped. 1:17.
7. Rost, H.T.D. The Golden Rule: A Universal Ethic. Oxford: George Ronald, 1986.
8. Campbell, E.S. Las Flores de los Altares. Buenos Aires: EBILA, 1983.
9. Bahá’u’lláh. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh. Rio de Janeiro: Ed. Bahá’í do Brasil,1977.
10. Schlesinger, Dr. Hugo e Porto, Pe. Humberto. Pensamentos e Mensagens Religiosas. São Paulo: Edições Paulinas, 1984.

Educar por Inteiro - Cap. 10: Educação para a Ética e os Valores Humanos


Capítulo  10
Educação para a Ética e os Valores Humanos
Educar para o Bem
Os maiores sofrimentos e catástrofes experimentados pela humanidade não foram obra de pessoas ignorantes ou incapazes. Os maiores males nasceram nas mentes de indivíduos extremamente refinados no intelecto e nas capacidades sociais, mas que norteavam suas ações por parâmetros éticos inadequados. Quando uma pessoa má e perversa tem inteligência, conhecimento, educação e habilidades ela pode causar muito mais mal do que alguém simples e ignorante. No século XVI o filósofo francês Michael de Montaigne[i] afirmava: “todo conhecimento é danoso para aquele que não possui a ciência da bondade.”[ii]
Quando uma pessoa não é educada na dimensão ética ela pode vir a ser causa de grande sofrimento para si mesma, sua família, seu grupo social ou mesmo para a humanidade em geral. Quando não é equilibrada pela dimensão ética, a educação intelectual pode vir a potencializar o mal que é praticado.
A vida de uma pessoa vale por aquilo que ela faz de bom no mundo. Como diz o ditado, “Da vida, só se leva o que se dá!”. Como já vimos em capítulos anteriores, nenhuma criança nasce má. Não existe uma “índole má” na natureza humana. O mau comportamento, especialmente aquele que provoca sofrimento aos outros, provém de uma educação inadequada, principalmente nas esferas emocional e disciplinar e especialmente no que diz respeito à ética e aos valores humanos. Portanto, acima de tudo a educação deve procurar conduzir as crianças, jovens e adultos aos caminhos do bem. Isso significa inculcar no coração e na mente das crianças uma série de princípios nobres que lhes possam servir de guia e parâmetro para suas decisões e ações no mundo.
É importante ressaltar que essa transmissão de princípios e modelos éticos não se dá meramente pela transmissão de lições morais ou pela exortação para o bem, embora isso faça parte. O mais fundamental é o ambiente de amor, aceitação, encorajamento, apoio e bondade no qual a criança se desenvolve e é educada. O mau comportamento, a perversidade e a maldade sádica são muito mais frutos da falta de amor, de aconchego emocional e de disciplina amorosa na infância, do que da carência de exortações, reprimendas e castigos. A educação ética nasce principalmente no amor, no aconchego e no exemplo.
Uma História para Começar
            Uma história oriental conta o seguinte:
Era uma vez um rei muito poderoso, senhor de um imenso domínio de terras e gentes. Ninguém no mundo podia se comparar a ele em riqueza e autoridade. Além disso, o poderoso monarca possuía inteligência e sagacidade incomuns, vontade e determinação férreas e um refinado senso estético. Porém, era extremamente materialista, injusto e cruel. Cobria seus “escolhidos” com favores extremos e perseguia e humilhava seus desafetos. Por causa disso, era tremendamente temido por todos, o que, para ele, era razão de orgulho e prazer.
Certa vez o rei ouviu falar de um homem muito santo que vivia num local afastado do reino. Diziam os relatos que ele não era um santo comum, mas um santo perfeito. Tão perfeito que Deus atendia todas as suas preces e orações. Havia histórias de incontáveis milagres, curas impossíveis e até de ressurreição de mortos. O rei ficou muito intrigado e mandou buscar o santo para o castelo.
Uma vez em sua presença o rei falou:
─ É verdade que Deus atende todas as suas súplicas e preces?
─ Deus faz o que deseja, majestade ─ respondeu o santo ─, mas tem sido generoso comigo.
─ Assim sendo, qualquer coisa que você pedir tornar-se-á realidade?
─ Tem sido sempre assim, majestade ─ afirmou o santo.
─ Neste caso ─ disse o rei ─ ordeno a você que peça a Deus o melhor possível para mim e para meu reino. E que isso se cumpra logo.
O santo fechou os olhos e, após alguns minutos de silêncio, orou. O rei esperava que ele pedisse por saúde, riqueza, fama, poder, vitória, etc. Em vez disso, a voz do santo ecoou pelos salões e corredores do palácio dizendo:
─ Ó meu Deus, ó meu Deus. Embora eu seja indigno de Tuas graças e favores e apesar de minha absoluta falta de mérito ante Tua face, eu Te suplico que apresses para o quanto antes a morte deste soberano que impera sobre nós.
Ao ouvir estas palavras, o rei ergueu-se apavorado e cheio de ódio. Dirigindo-se ao santo, esbravejou:
─ O que é isso? Que loucura é essa? Eu te ordenei que fizesses a melhor súplica possível por mim e pelo meu reino e tu pediste pela minha morte? O que te levou a essa loucura?
─ Majestade ─ respondeu serenamente o santo ─ esta foi sem dúvida a melhor prece que eu poderia oferecer por Vossa Majestade e vosso império. Os pecados que Vossa Majestade acumula a cada instante ─ com luxúria, cobiça, traição, preguiça, gula e ira ─ aumentam sem cessar vossa culpa e vosso castigo no mundo do além, onde todos nós passaremos a eternidade. Assim, quanto antes vossa vida acabar, melhor será para Vossa Majestade, pois menos pecados vossa alma terá de penar no arrependimento eterno. Por outro lado, a cada dia que passa, vosso povo sofre uma nova guerra, uma nova injustiça, uma nova crueldade e um novo sofrimento provenientes de vossas mãos. Assim, vossa morte é também o que melhor pode acontecer para todos os vossos súditos. Nenhuma prece minha poderia alterar a vossa conduta, pois o livre-arbítrio, por ser uma das grandes leis de Deus, não pode ser alterado por nenhuma oração. Eis as razões de esta ser a melhor prece que vos poderia conceder.
É claro que esta história não pode ser tomada ao pé-da-letra, nem precisamos concordar com todas as implicações do que ela conta. Mas, dentro da grande tradição das fábulas e contos com objetivos morais, ela toca pontos importantes para o que estamos investigando. Ela ressalta que a grandeza da vida de um ser humano não está nas suas posses ou na sua riqueza. Nem mesmo está em sua inteligência, grau e instrução ou refinamento cultural. A grandeza da vida de uma pessoa depende de ela ser uma fonte de bem para os que vivem ao seu redor.
A Ética Precisa ser Ensinada
Na visão de um dos gigantes da Filosofia Ocidental, Aristóteles, e que é compartilhada pela grande maioria dos pensadores e filósofos que ponderaram sobre os desafios da educação, a felicidade humana depende do desenvolvimento de virtudes. “Reconheçamos, pois,” – diz Aristóteles – “que cada um desfruta apenas de tanta felicidade quanto possuir de virtude e sabedoria, e de ação virtuosa e sábia.”[iii]
Aristóteles distingue dois tipos de virtudes: intelectuais e morais[iv]. Sua classificação de virtudes intelectuais incorpora aquilo que, ao longo dos séculos, veio a ser definido como raciocínio, imaginação, compreensão e memória, ou seja, as capacidades cognitivas em geral. Por outro lado, as virtudes morais englobam qualidades de caráter, como temperança, justiça, amor e veracidade.
Ele observa então, que “a virtude intelectual, no geral, deve seu nascimento e desenvolvimento ao ensino (razão pela qual necessita experiência e tempo), enquanto a virtude moral nasce como resultado do hábito... Disso se torna claro, também, que nenhuma das virtudes morais se desenvolve em nós de forma espontânea.”[v]
Assim, fica claro que o bom caráter precisa ser ensinado pela aquisição de bons hábitos. E mais: a aquisição de qualidades morais e éticas, de virtudes e de valores humanos não se dá apenas através da educação intelectual, pelo domínio das ciências e das artes. A educação ética precisa ser especialmente enfocada e nutrida para que se desenvolva. Ela necessita de abordagens e metodologias próprias e de um clima emocional onde se alcance e nutra a sensibilidade da alma, e não apenas do intelecto.
As Bases das Ações Humanas




A qualidade de tudo aquilo que fazemos no mundo ─ a qualidade de nossas ações ─ seja na vida profissional, familiar ou social depende basicamente de quatro conjuntos de fatores:
·      Conhecimentos
·      Habilidades
·      Atitudes
·      Qualidades, valores e virtudes
Os conhecimentos dizem respeito àquelas coisas que precisam ser sabidas para que uma determinada ação possa ser realizada, desde encerar o assoalho, arrumar o motor de um carro, resolver uma equação matemática, harmonizar um grupo de trabalho, estabelecer a paz entre nações em guerra ou fazer um foguete ir à Lua e voltar.
Também precisamos de habilidades ou destrezas específicas para cada realização ou atividade. As habilidades não deixam de ser a capacidade de colocar os conhecimentos em ação. Têm a ver com a prática, a operacionalização dos conhecimentos.
Da mesma forma, a qualidade de nossas ações depende grandemente da atitude com a qual executamos a tarefa. As atitudes são assim como o tempero das ações. Uma ação executada com má-vontade, irritação, preguiça, desatenção ou desleixo é bem diferente de uma realizada com boa-vontade, empenho, cuidado e excelência. E quem contempla duas pessoas com atitudes diferentes realizando a mesma coisa, sabe muito bem distinguir qual a atitude que domina cada uma delas.
Finalmente, a qualidade de uma ação ou realização depende imensamente do conjunto de qualidades éticas e morais, dos valores humanos e das virtudes pessoais e coletivas nas quais está baseada. Quando as ações não estão baseadas em princípios éticos universais e atemporais como a Verdade, a Justiça e o Amor, então há uma grande chance de que elas sejam danosas. Uma pessoa pode ter grandes capacidades em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes, mas, se for desprovida de um referencial ético poderoso, suas ações tenderão ao desastre.
Tomemos um exemplo extremo para perceber isso com mais clareza, pois geralmente tais temas somente ficam claros quando explorados nos limites. Vejamos o caso de Hitler:
·      Hitler não era um homem ignorante. Ele não chegou ao cargo de chanceler supremo de uma das nações mais eruditas do planeta através de um golpe de estado, mas pela força das urnas. Ele tinha grande conhecimento, não somente da realidade econômica, política e social da Alemanha de então, mas também da Europa como um todo. Além disso, era um estudioso das Artes em geral, além de ser pintor e escritor.
·      Hitler não era um homem inábil. Pelo contrário: ele tinha grandes habilidades sociais, políticas e de comunicação. Sabia fazer alianças, sabia construir visões de felicidade e prosperidade e transmiti-las às massas de forma extremamente contagiante e convincente, sabia mobilizar as massas de uma forma genial.
·      Hitler tinha em excelência todas as atitudes necessárias para sair-se bem em suas empreitadas: capacidade de decisão, otimismo, perseverança, atitude de aprendizado, paciência, coragem, ânimo, etc.
·      Porém, no que diz respeito aos valores humanos e princípios éticos e espirituais, Hitler foi contra tudo o que hoje prega a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e aquilo que as grandes tradições espirituais consideram sagrado há milênios.
Todos os excelentes conhecimentos, as excelentes habilidades e as excelentes atitudes de Hitler serviram apenas para provocar o Holocausto: o assassinato em massa de mais de cinco milhões de homens, mulheres e crianças durante os breves anos da Segunda Grande Guerra. Isto porque no que diz respeito ao Amor Universal (ausência de preconceitos), à Bondade e à Justiça suas ações eram corrompidas e maléficas.
O mesmo se dá com todos os indivíduos ou grupos sociais dotados de muita capacidade mas privados de ideais éticos e morais nobres: a destruição e o mal que produzem é imenso. Melhor seria que tivessem permanecido ignorantes, incapazes de promover o dano que causaram. Se Hitler tivesse sido apenas um camponês analfabeto, inculto e incapaz, ele não teria causado o mal que causou.
Exercícios:
1.     Comentem em conjunto a frase de Montaigne: “todo conhecimento é danoso para aquele que não possui a ciência da bondade.”:
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2.     As pessoas já nascem com bom ou mau caráter?
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3.     O texto afirma que “a educação ética nasce principalmente no amor, no aconchego e no exemplo.” O que você pensa disso?
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4.     Quais são os quatro elementos dos quais depende a qualidade de nossas ações?
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5.     Comente em grupo sobre exemplos de pessoas humildes e sem instrução que são fonte de bem e de benefício social, e de pessoas instruídas cujas ações são prejudiciais à sociedade.
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Notas e Bibliografia


[i] Pronuncia-se “Michel de Montein”.
[ii] Montaigne. Apud. The Great Ideas, a Syntopicon of Great Books of the Western World, bk 2, p.379
[iii] Aristóteles. Politics, bk VII: 1, [20]
[iv] Id. Ethics, bk II: 1, [15]
[v] Id. Ibid., bk II: 1, [15]. A ênfase é nossa.